Já faz um tempo que li esse livro e a melhor palavra para descrevê-lo é: intenso. Nele acompanhamos a história de Lia, uma adolescente obcecada pela magreza. Mesmo já sendo muito magra ela não se sente satisfeita com seu corpo e uma virada em sua vida faz tudo piorar. Sua amiga, Cassie, é encontrada morta, sozinha, em um quarto de motel depois de ter ligado para Lia por 33 vezes.
Lia está doente e sua obsessão pela magreza a deixa cada vez mais confusa entre a realidade e a mentira. Mas ela perde totalmente o controle quando recebe a notícia de que sua melhor amiga, Cassie, morreu sozinha em um quarto de motel. E o pior: Cassie ligou para Lia 33 vezes antes de morrer. O que começou como uma aposta entre duas amigas para ver quem ficaria mais magra tornou-se o maior pesadelo de duas adolescentes reféns de seus próprios corpos. Ao negar seu problema, Lia impõe a si mesma um regime cruel em que contar calorias não é o bastante. Ao omitir seu desespero, apela ao autoflagelo numa tentativa premeditada de aliviar seus tormentos. Seus pais e sua madrasta tentam ajudá-la a qualquer custo, mas nem mesmo sua doce irmã, Emma, consegue fazer com que Lia pare de se destruir. Agora, Lia precisa encontrar um modo de lidar com todos os seus fantasmas, e a morte de Cassie é um deles. Garotas de Vidro é uma história intoxicante sobre a autorrepugnância e a busca pela identidade. Neste livro, Laure Halse anderson aborda de modo realista a dolorosa condição de jovens que sofrem de transtornos alimentares e sua complicada relação com o espelho e consigo mesmos.
O texto, em primeira pessoa nos imerge no dia a dia de Lia, sua obsessão com as calorias de cada alimento e sua insatisfação com o próprio corpo o que a leva a um quadro sério de autodesprezo.
:: Estúpida/feia/estúpida/vaca/estúpida/gorda/estúpida/criançona
/estúpida/perdedora/estúpida/perdida:: (Pág.62)
Acompanham Lia nessa história seus pais, Chloe e David. Eles, no entanto não vivem juntos e a garota tem uma madrasta, Jennifer e uma meia-irmã, Emma. Lia mora com o pai e não se dá muito bem com a mãe mais controladora que, talvez por ser médica, é mais atenta às tentativas da filha de ficar sem comer.
A anorexia de Lia não surge de uma hora para a outra. Durante o livro, com as descrições dela sobre seu relacionamento com a amiga Cassie e principalmente com os pais, mostra como ela chegou a ficar tão doente.
Minha mãe ficou grávida. Meu pai se casou com ela. Eles já não se suportavam mais quando eu nasci. Eram deuses aleatórios que acasalaram perto de um mar escuro como o vinho. Eles deviam ter me transformado em um peixe ou uma flor quando tiveram a chance. (Pág.75)
Não é só a briga constante dos pais que faz Lia se sentir mal a ponto de desenvolver a anorexia. Isso ajuda bastante, mas vai um pouco além. Entretanto, se eu contar muitos detalhes, acabo entregando a história toda.
A amizade com Cassie estava abalada quando ela morreu, mas as duas eram amigas de longa data. Desde que o Sr. e a Sra. Parrish se mudaram com a filha para uma casa de frente para a casa de Lia. A relação de Cassie com os pais também não era das melhores e essas desavenças familiares só serviu para unir as meninas.
Eu a ouvia por horas quando seus pais gritavam e tentavam enfiar a garota em uma carapaça de manequim que não servia para ela. Eu entendi o que provocava os terremotos dela, a maioria deles. Eu sabia como machucava ser filha de pessoas que não conseguem te enxergar, nem se você estiver na frente deles, pisando nos seus pés. (Pág.15)
Cassie também desenvolveu problemas com a balança. No caso dela, a bulimia é que lhe era companheira na busca do “corpo perfeito”.
Outra pessoa que aparece na história é Elijah. Ele é zelador do motel onde Cassie morreu e está querendo passar uma mensagem dela para Lia. A garota, no entanto decide não se identificar para ele, pois está se sentindo culpada por não ter atendido nenhuma das 33 chamadas em seu celular. A amizade que nasce entre os dois é bonita, mas quão longe pode ir uma relação que já começa com mentiras?
A doutora Nancy Parker é a terapeuta que dá apoio psicológico à Lia, desde que ela saiu de sua primeira internação em uma prisão clínica de reabilitação. Ela parece mais irritada do que feliz em suas sessões de terapia.
Eu abri minha boca durante as primeiras consultas e dei a ela uma chave para abrir minha cabeça. Um erro gigantesco. Ela trouxe sua lanterna e um capacete de proteção e muitas cordas para passear através de minhas cavernas. Ela colocou minas terrestres em meu crânio que detonaram semanas depois. Eu disse a ela que estava chateada por que ela estava movendo coisas em torno de meu cérebro sem permissão. Ela me sabotou, então toda vez que eu tinha um pensamento simples como, Física é um desperdício de tempo, ou que eu preciso cobrar meu telefone, ou que não deve ser tão difícil aprender japonês - a irritante pergunta do inferno apareceu - Por que você pensa assim, Lia? (Pág. 113)
No livro também somos apresentados a um blogsupersecreto como a própria Lia chama, onde outras meninas, com o mesmo problema que ela e Cassie, trocam mensagens de apoio para continuar sua luta por um padrão inalcançável.
Ganhei 200g entre o café da manhã e depois da escola.
Só água pra mim o resto do dia, e amanhã começo o jejum de novo.
Amo vocês, garotas! (Pág.110)
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Tento manter minha ingestão de calorias sob 500.
Qualquer coisa a mais é inaceitável. (Pág. 126)
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Preciso de uma amiga pra trocar mensagens no celular amanhã, quando estiver de jejum. Por favor, me ajudem! (Pág.171)
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Esse livro é forte. A autora consegue te dar a sensação de estar ao lado de Lia enquanto ela passa por seus problemas. Por isso eu disse que intenso, é uma palavra que o define bem. Apesar de bem forte, eu recomendo que todos leiam. Principalmente os pais que, muitas vezes, só percebem um problema desses quando ele já está fora de controle. Mais ainda, esse livro mostra aos pais o quanto seus atos afetam seus filhos. Mesmo que a intenção seja o bem dos filhos, uma discussão na presença deles pode surtir um efeito devastador. Assim como incentivar um filho a tirar boas notas, ou se destacar numa atividade física, tem que ser feito, mas de forma moderada ou o excesso de pressão pode deixá-lo desmotivado e se achando inferior a cada frustração.
Eu adorei ter lido Garotas de Vidro. Não posso me esquecer de dizer que a capa e o interior do livro são lindos. As pausas entre os acontecimentos, a forma como o passado da Lia aparece de forma destacada evitando aquele texto confuso, e alguns recursos como o texto riscado nos envolve ainda mais na história como se estivéssemos lendo o diário e uma garota com problemas.
Afeiçoei-me bastante a Lia e torci por ela das primeiras até a última página. Apesar de ser uma ficção, Laurie Anderson explica nos agradecimentos que a história não foi baseada em uma garota em específico, mas com as pesquisas que ela fez tenho certeza que existem muitas "Lias" e "Cassies" por aí e eu torço de coração para que elas se recuperem logo.
Garotas de Vidro (Winter Girls)
Autora: Laurie Halse Anderson
Tradução: Ana Paula Corradini
Páginas: 272
Editora: Novo Conceito
Ano: 2012
Link do livro no Skoob: Garotas de Vidro