Até ontem eu acreditava que me conformar com a dor e não reclamar
era o mesmo que ser grata por tudo o que eu tenho. Que sentimentos
deveriam ser escondidos e ser forte era o mesmo que não chorar.
Reconhecer meus privilégios me trouxe a sensação de que nenhuma
carência minha importava, pois há pessoas em condições piores.
Precisei de algumas séries, filmes, livros e postagens com conselhos
de profissionais sérios para abrir meus olhos e ver como eu me
maltratava.
Até
ontem eu acreditava que minha infância e minha adolescência
pertenciam ao passado e nada do que havia acontecido lá poderia me
afetar no presente. Não levava em consideração que mesmo não
recordando conscientemente de um evento, meu sistema nervoso é capaz
de lembrar e fazer o possível para me proteger. A repetição de
padrões acaba se tornando uma prisão impossível de escapar ao
ignorar continuamente o fato de que está presa.
Até
ontem eu acreditava que não havia nada em mim que precisasse ser
curado e por isso preciso aprender a ter paciência e confiar no
processo. Nada aconteceu da noite para o dia e da mesma forma,
infelizmente, não é assim que vai melhorar. Não posso me esquecer
do ano em que tudo mudou, porque foi praticamente ontem, e até ontem
eu acreditava que não podia cometer erros. Que isso me fazia uma
pessoa ruim, e só agora percebo o quanto errar me torna humana.